Estado de deriva em residência móvel é um projeto sobre os estados experimentais da arte. Entende-se o o precário, o efêmero, o colaborativo como um corpo de motivações para a geração de situações de deambulação em isolamento geográfico.
Compartilhamos o site, um dos frutos da residência realizada em Alto Paraíso, na Chapada dos Veadeiros, entre os dias 12 e 19 de dezembro de 2014, com patrocínio da Secretaria de Cultura do Governo de Goiás. Pensado e formatado por Rubens Pillegi (GO), Michelle Sommer (RS), Gabriela Silva (RS) e Liza Santos (GO), ao grupo se somaram os artistas convidados, Dalton Paula (GO), Juliano de Morais (GO) e Roberta Carvalho (PA), além de dois artistas em formação: Carolina Figueroa (CHILE) e Fransuel Becker (GO).
O lançamento da publicação impressa ocorrerá no final do mês de abril em Porto Alegre (RS) e Goiânia (GO).
Montados em dois carros alugados para nossa deriva, nós, os goianos, partimos rumo ao aeroporto de Brasília para pegar os participantes que vieram de outras regiões e, de lá, fomos direto a Alto Paraíso, onde pernoitamos. No outro dia, logo pela manhã, partimos da cidade e chegamos à A.L.T.O. Residency-Mariri Lodge, onde fomos acolhidos por Marianne, Rafael e Max (além dos bichos da casa, pernilongos aos montes e espíritos da mata) depois de atravessar uma bela paisagem com uma estrada de terra toda esburacada e, às vezes, perigosa.
Durante os seis dias de residência, chovesse ou fizesse sol, experimentamos situações que nos levaram a fazer registros de trabalhos realizados no meio da mata - às vezes de noite, às vezes abrindo picada pelo mato - mas, também, a vivenciar uma intensidade de trocas e partilhas bastante enriquecedoras para cada um de nós.
Mas por que um lugar tão selvagem, se podíamos nos encontrar no espaço urbano, com todos os recursos à mão e construir nossas obras? Justamente porque o desafio era o de nos retirar da zona de conforto de nossas referências, buscando outras possibilidades, dando início a novos processos criativos. Ou seja, um retorno à natureza endereçado à produção de arte contemporânea. Além, é claro, da oportunidade de imersão em um local propício à concentração no foco de nossas ações, sem os desvios das luzes da cidades, sem acesso à comunicação nas dispersões tecnológicas e urbanas. Silêncio, contemplação e ação formam a tríade da nossa proposta de residência, pois.
Nosso ritual se iniciava, então, logo pela manhã, ao sair de nossos aposentos - casa/árvore, quarto coletivo ou casinha na mata - para nos encontrarmos na cozinha central para tomar o café e, de lá, ou íamos direto para a floresta ou fazíamos reuniões (leituras teóricas, discussões sobre intenções de trabalho e estados de deriva), até que chegasse a hora do bendito almoço. Um dos pontos altos do dia era nosso jantar, produzido pela Gabi, caprichando cada dia mais nos pratos saborosos, em sua maioria com ingredientes locais e cozinha vegetariana. De fato, uma experiência artístico-gastronômica única, em volta da mesa de comida, que terminava na varanda, onde apresentávamos e debatíamos sobre os trabalhos que vinham sendo realizados, com apresentações orais e projeções das experiências do dia. Não raro, após esse momento, novas incursões na natureza circundante geravam outras propostas artísticas.
Fotos diurnas e noturnas, captura de imagens em vídeo, projeção de imagens, performances orientadas para fotos e vídeos, esculturas realizadas com materiais orgânicos, experimentações com o uso de pigmentos a partir de materiais encontrados na natureza e até poemas concretos feito com pedrinhas e produção textual acerca das experiências (vivenciadas e observadas) foram se sucedendo durante a passagem dos dias, em uma intensidade que só um mergulho como esse pode proporcionar.
Assim, com boa comida, conversas constantes, reuniões e trocas diversas, conseguimos alcançar o objetivo de nossa proposta, que era a busca pela junção entre teoria e prática, uma vez que uma desaguava na outra, o tempo todo, além de propiciar um ambiente colaborativo onde a própria realização das obras acabava sendo contaminada pelo clima de compartilhamento que se estabeleceu durante nossa Residência Artística.
Creio poder falar, também, na influência imediata do trabalho de um artista no trabalho de outro, reciprocamente. Seja no modo de olhar as questões plásticas envolvidas na criação de uma obra, seja em algum detalhe técnico usado como recurso de linguagem, seja um pequeno detalhe incorporado ao modo de produção do trabalho.
Um dado relevante, talvez, não possa ser visto nem avaliado, embora seja próprio a um mergulho do qual, ao emergir, ainda não detemos ferramentas para compreender o que foi alterado, de um momento a outro. Tal situação poderá fazer sentido muito depois de terminado o projeto. Um dia, como desdobramento do que foi aquele momento, quando o sentir ainda não se manifestava como realizar. Saberemos separar uma coisa de outra, mais tarde? Talvez, não. Mas saberemos que, a partir de uma imersão em uma residência artística na Chapada, algo mudou em cada um de nós.

Rubens Pileggi Sá
Estado de Deriva em Residência Móvel: um relato de viagem