Na contramão de algumas práticas curatoriais em recente formulação, que enquadram a diversidade das ações possíveis em tipologias invariavelmente rígidas - curador de exposições, curador de coleções, curador de performance, curador-diretor, curador-artista, curador de residências, etc – quero distanciar-me de enquadramentos fixos (ou outras pretensões) para um campo que é, em sua natureza, expandido. A intenção curatorial aqui é ofertar possibilidades de criação de estados de deriva para proposições artísticas vivas e abertas.
“Deixar-se implicar” com e por um processo artístico significa uma mobilização de afeto. Para a construção dessa condição abolem-se as oposições lógicas – olhar/saber, olhar/agir, aparência/realidade, atividade/passividade - que são as alegorias da desigualdade e das trocas embrutecidas. O trabalho poético de acompanhamento curatorial (e não de suporte, que pressupõe o estabelecimento de uma relação vertical curador-artista) é a essência da prática emancipadora. Deparar-se com a possível criação de estados de deriva para a prática artística obriga-nos a enfrentar o que ainda não está nomeado, o que está em gestação, subvertendo as recorrentes induções curatoriais para ajuizamento do novo e exigências de materialização.
Estado de deriva em residência móvel é um projeto sobre os estados experimentais da arte. Entende-se o o precário, o efêmero, o colaborativo como um corpo de motivações para a geração de situações de deambulação em isolamento geográfico. Na metodologia de construção da residência movente, a Chapada dos Veadeiros tornou-se local de trabalho durante 07 dias para uma equipe inter/multi/cross/transdisciplinar de 08 pessoas.
Tendo como ponto de ancoragem Alto Residency (http://altoresidency.wordpress.com/artists/ ), em Alto Paraíso, fomos movidos pela pulsão do compartilhamento. Lá, especulamos sobre a natureza das práticas artísticas colaborativas possibilitadas através do “esvaziamento” da funcionalidade urbana que consome o nosso cotidiano e inviabiliza momentos de pausa e reflexões. A condição de saída da zona de conforto tornou-se um ponto determinante para a abertura de espaços para o exercício artístico, para a ocorrência de erros, para perder-se, para encontrar-se, para ouvir-se.
Qual o “resto material” dessa ação coletiva de temporalidade finita ocorrida no tempo infinito do centro do Brasil? Se o tempo da transformação geológica não pode ser comparado ao tempo da produção de mercadorias na nossa sociedade do espetáculo (e consumo), um possível desdobramento (parcial) dessa experiência pode ser compartilhado nessa publicação. É o que intencionamos aqui.

Michelle Sommer
Fevereiro / 2015.
INTENÇÕES CURATORIAIS PARA A CRIAÇÃO DE ESTADOS DE DERIVA